Vivemos num período em que tudo parece acontecer no mundo digital. Criar e apresentar trabalhos online, especialmente nas redes sociais, tornou-se cada vez mais comum, levando-nos a uma ausência de toque e presença. Esta nova realidade privilegia o conteúdo rápido e espontâneo, priorizando a quantidade em detrimento da qualidade.

Esta série é o resultado do estágio de João Martins no Canal180 e foi criada como uma residência. João convidou artistas que utilizam métodos manuais e tradicionais para criar e expressar-se. Através de uma conversa longa e profunda, ele tentou compreender a conexão que cada um tem com o seu trabalho e por que escolheram "voar para fora do digital". Durante o diálogo, também foram discutidos alguns projetos que os artistas desenvolveram, proporcionando-nos uma visão interna sobre o processo criativo e de apresentação.

 Fernanda Corsini é uma artista multidisciplinar e fotógrafa situada na cidade de São Paulo, Brasil. Estudou Arquitetura e Urbanismo no Instituto de Arte Contemporânea da Technische Universität Graz, na Áustria. Corsini começou a fotografar em 2015, mas foi apenas por volta dessa época que começou a desenvolver seu interesse pelas artes visuais. Ela utiliza tanto métodos digitais quanto manuais para criar suas obras.

O seu trabalho mistura fotografia, pintura, costura, desenho e texto como uma maneira de explorar e materializar o que a Fernanda pensa e sente. Aborda temas como ser mulher, sexualidade, como ela percebe o mundo e a si mesma. Aborda temas como ser mulher, sexualidade, como ela percebe o mundo e a si mesma. 

“Criar arte é, acima de tudo, um longo processo de autoconhecimento. Eu externalizo diálogos internos através de fotografias, colagens, desenhos e pinturas, e com eles me coloco no mundo. A arte me ancora e me permite ser para os outros. Eu existo!” — diz Fernanda.

Ser é estar

Ser é estar é um projeto que emergiu depois que Fernanda começou a rever antigos autorretratos.  Durante a pandemia COVID-19 , Corsini não podia sair e criar um novo trabalho, então ela começou a usar este arquivo como um ponto de começo para este projeto. 

Começando de maneira digital, Corsini criou diferentes colagens com os materiais que encontrou, explorando as diferentes versões e formas como se vê e se reconhece.

Mais tarde, ela evoluiu o projeto e o trouxe para o mundo físico, imprimindo as imagens originais e, por meio de colagens e costura, criou e explorou os diferentes lados ou personas de si mesma.

Melting Cities

Fernanda Corsini estudou arquitetura e urbanismo, algo que a artista se viria a arrepender, sendo uma experiência diferente da que ela esperava. Melting cities vem como um manifesto em direção ao curso de arquitetura. A base para este projeto foram fotografias que Fernanda tirou de edifícios e estruturas arquitetônicas durante o seu curso. Ela posteriormente imprimiu essas imagens e, utilizando um scanner digital, distorceu-as e criou formas abstratas desses edifícios, quase como se estivessem derretendo.

Melting cities foi o projeto final do curso de arquitetura de Fernanda, no qual se licenciou.

Lugalbanda é um projeto colaborativo de Claudia Cid e Elsa Gomes, que combinam cerâmica e pintura para criar suas obras de arte. Elas conheceram-se em 2015 em Lisboa, durante um mestrado em pintura. Claudia e Elsa começaram a compartilhar o mesmo ateliê, onde cada uma desenvolveu seus projetos artísticos individuais. Com o tempo, o ateliê tornou-se um espaço de diálogo, onde ambas perceberam que compartilhavam as mesmas dúvidas e interesses, levando à criação do Lugalbanda.

As suas obras questionam as relações e os limites entre a arte e a vida, entre o objeto artístico e o útil, entre os papéis do artista e do artesão, além da preocupação com a mercantilização da vida, do tempo e da arte.

“Achamos que é muito difícil ter uma definição firme do que são as coisas: úteis ou inúteis, arte ou artesanato. Estamos interessados nesta dissolução de conceitos, que acreditamos mantém viva a estranheza e a beleza da vida e de seus objetos", dizem as artistas.

Hors Lits

Hors Lits foi uma série de performances que ocorreram em quatro casas de Lisboa como parte de uma abordagem sensível para reescrever o íntimo, abrindo espaços alternativos entre artistas, habitantes e espectadores.

Em colaboração com a JoyFoodExperiences, a performance consistiu numa mistura de pratos, criados pela JoyFoodExperiences, e artesanato, criado pela Lugalbanda, sobre os quais os pratos foram servidos. Ambas queriam questionar o público sobre "o que é isso à sua frente?" e como reagiriam a tal pergunta. Eles apenas observariam? Tocariam nas peças? Comeriam a comida?

Língua sem prova

Língua sem prova foi uma exibição que questionou o que podia ser considerado como útil ou objeto artístico e como a perceção do público muda dependendo do espaço onde cada peça está a ser exibida

Combina peças de cerâmica com propósitos ambíguos e fissuras cerâmicas, transformando-as em molduras para pinturas a partir de uma peça que caiu e partiu. Claudia e Elsa deram um passo além e também criaram uma pintura projetada para ser vestida.

Lugalbanda juntou-se à Fed by Venus para criar Olhos Pescadores, uma exposição organizada por Tânia Geiroto Marcelino. Olhos Pescadores é uma peça da Lugalbanda com ativação e performance da Fed by Venus. Esta exposição estreia no dia 8 de janeiro às 16h, na Rua das Gaivotas, e estará aberta até 27 de janeiro, de terça a sábado (15h-19h).

Romina Schulz or Romina Chuls (como ela se apresenta) é uma artista peruana que combina têxteis, cerâmica, desenhos e pinturas como forma de expressão. Estudou Belas Artes com especialização em pintura na Pontificia Universidad Católica del Perú, onde, nos últimos anos de seus estudos e influenciada por sua avó, começou a usar o têxtil como formato para explorar a história das mulheres na sua família. Atualmente, Romina está a estudar num mestrado em Artes e Política na NYU Tisch School of the Arts.

As suas obras focam nos problemas enfrentados pelas mulheres peruanas e latino-americanas nas suas vidas diárias. Questões relacionadas à memória androcêntrica, demarcação territorial, nacionalismo e direitos humanos ocidentais.

"O detonador dos meus projetos é sempre autobiográfico, sempre político. Tudo vem de um desconforto que coça, da beleza de externalizar a minha dor como parte da minha prática espiritual, da reapropriação da minha carne.", diz Romina Chuls.

Embriones Huacos

Embriones Huacos é um projeto que explora a história ficcional acerca da interrupção da gravidez que comunidades pré-Hispânicas da costa do Peru praticavam. Este projeto surgiu como uma prática arqueológica da imaginação, onde estas peças envisionam uma comunidade definida por rituais de aborto. Também confronta as omissões resultantes das quais o colonialismo e o patriarcado construíram a história peruana. Ao mesmo tempo, questiona o que era "permitido" ser representado pelas culturas pré-hispânicas na costa do Peru.

Este projeto combina esboços em grafite das formas dos huacos de Nasca e Mochica com embriões cerâmicos esculpidos por Romina, e para criar uma conexão entre esses elementos, Chuls adicionou um laço trançado feito de um manto nasca, um têxtil que abriga símbolos de fertilidade.

Clandestinas

Clandestinas retrata o estado emocional de estar grávida de um ser indesejado num ambiente como Lima, Peru, onde o aborto é ilegal. Este projeto começou como um processo de cura após o aborto de Romina há quatro anos. O medo e a falta de proteção resultaram num fardo emocional que Chuls procurava 'abortar', completando o procedimento físico.

Na maioria das vezes, a discussão sobre os direitos ao aborto em países onde é ilegal foca quando a vida começa. Romina mudou essa abordagem para a situação emocional e física das mulheres, um foco que tem faltado em todos os debates.

"É hora de direcionar a discussão para os corpos gestantes", diz Romina. Num contexto onde a interrupção da gravidez é ilegal e onde não possuis o teu próprio corpo, sobreviver a um aborto torna-se um privilégio. Este projeto convida os espectadores a imergirem-se na sensação de carregar um embrião alienígena enquanto os seus corpos continuam a mudar.

Os dois materiais utilizados neste projeto confrontam-se num momento de tensão e peso avassalador. Os tricôs e as obras em fibra simulam corpos que reapropriariam os seus úteros. As peças cerâmicas apresentam-se como embriões que se tornam pedras, alienígenas em relação aos tricôs.

Um projeto feito na residência do Canal180 por João Martins